terça-feira, 18 de maio de 2010

Duas matérias interessantes sobre a maconha


PRIMEIRA MATÉRIA

Poucos assuntos criam mais controvérsia e geram mais curiosidade do que a maconha, talvez porque se trate da droga ilícita que as pessoas comuns têm mais chance de conhecer ao longo da vida – estima-se que até 4% da população mundial já a tenha consumido.

Mesmo assim, uma cortina de fumaça de desinformação ainda cerca a planta e seu uso. O G1 responde abaixo às dúvidas mais comuns sobre a maconha, utilizando as últimas descobertas de médicos e cientistas para esclarecer quais são os perigos e o potencial da droga.

Qual a origem da planta?
Conhecida pelos cientistas como Cannabis sativa, a erva parece ser originária das vizinhanças da cordilheira do Himalaia, na Ásia, e é consumida desde tempos pré-históricos. Foi consumida na Índia e na Pérsia antigas e passou a ser usada como narcótico no Ocidente a partir da época das grandes navegações, no século XVI.

Onde se pode consumi-la legalmente?
A legislação mundial ainda é rigorosa em relação à venda em larga escala da planta. Mesmo no país mais liberal do mundo em relação ao tema, a Holanda, só é possível comprar pequenas quantidades (alguns gramas, ou plantas em vasos) para consumo pessoal em lojas especializadas, e ninguém está autorizado a produzir ou vender a droga em larga escala. Legislações parecidas quanto à posse e consumo particulares (mas não quanto à venda pública) estão em vigor na cidade de Denver (Colorado, EUA), no estado americano do Alasca e em dois estados da Austrália.

Por que fumar maconha “dá barato”?
Porque o princípio ativo da droga é, por um acaso incrível, muito parecido com um importante mensageiro químico do cérebro. O princípio ativo, batizado com o indigesto nome de delta-9-tetraidrocanabinol (ou THC, para encurtar), tem estrutura química semelhante à de substâncias que controlam a passagem de sinais entre as células nervosas, os neurônios.

Esse sistema de mensagens do cérebro foi descoberto graças às pesquisas sobre maconha e, em homenagem à droga, foi batizado de sistema endocanabinóide (ou seja, a da “Cannabis produzida dentro” do corpo). O sistema endocanabinóide atua em quase todas as regiões do cérebro, mas o prazer gerado pela droga advém do fato de que ele atua sobre o córtex (a sede da consciência e da razão), a amígdala (ligada às emoções) e o tronco cerebral (responsável pela sensação de dor). É por isso que os usuários relatam experimentar tranqüilidade e bem-estar durante o consumo – as mensagens químicas ligadas à ansiedade ou a dor são barradas pela ação da droga sobre o sistema endocanabinóide.

Maconha pode ser consumida por jovens?
Não. Segundo um dos maiores especialistas no assunto, o neurocientista e farmacologista Daniele Piomelli, da Universidade da Califórnia em Irvine, o cérebro de adolescentes ainda está em formação e o consumo da droga pode ter sérias conseqüências. Entre as diversas estruturas que ainda não estão formadas no cérebro de um jovem está o sistema dopaminérgico, que processa informações de recompensa e está ligado a comportamentos de vício.

O uso causa dependência?
“Existe essa possibilidade”, diz Dartiu Xavier da Silveira, médico e pesquisador da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e um dos principais especialistas brasileiros em dependência de drogas. “No entanto, aparentemente a proporção dos usuários que se tornam dependentes é semelhante à que se vê entre usuários de álcool, ou seja, cerca de 10%”, afirma ele.

Ela abre o apetite?
Sim. A chamada “larica” (fome acentuada) associada ao uso da planta não é mera lenda urbana. Mais uma vez, a culpa é da ação sobre o sistema endocanabinóide: o THC também mexe com esse sistema no hipotálamo, área do cérebro que regula o apetite. Segundo Roger Nicoll, pesquisador da Universidade da Califórnia em San Francisco (EUA), a comida passa a parecer mais desejável para alguém com “larica”.

A maconha serve de “escada” para drogas mais pesadas?
“Não existe nenhuma evidência sólida disso”, afirma Dartiu Xavier da Silveira. Usuários de cocaína e heroína muitas vezes também usam maconha, mas não há sinais de que a erva abra o apetite do usuário para outras drogas.

Quais são seus efeitos sobre a memória e o aprendizado?
A memória de curto prazo (aquela que nos permite absorver uma informação nova no momento presente) e a atenção ficam realmente prejudicados, mas só há sinais de um dano permanente com o uso contínuo e em grandes doses. Do contrário, deixar de fumar é suficiente para que essas funções do cérebro se refaçam.

Existe uma dose segura para consumo?
“Os estudos ainda estão muito no começo para afirmar qualquer coisa a esse respeito”, diz o médico da Unifesp.

É uma droga que mata neurônios?
Outro mito: a maconha não só não parece danificar diretamente os neurônios como há indícios de que possa impedir a morte dessas células quando elas são danificadas.

É mais ou menos nociva que o cigarro para os pulmões?
“Os efeitos nos pulmões são bastante parecidos com os de um cigarro normal”, conta Dartiu Xavier da Silveira. A diferença, explica o médico, é que raramente um fumante de maconha conseguirá consumir a droga em quantidades semelhantes aos maços diários de um fumante “normal”. Por isso, os danos tendem a ser menores.

Qual é o seu potencial terapêutico?
Similares químicos do THC, entre os quais os conhecidos como dronabinal e nabilona, já estão no mercado e são usados para combater as náuseas associadas à quimioterapia de pacientes com câncer. Testes conduzidos com pacientes de Aids com o mesmo problema também têm mostrado bons resultados.

Outras aplicações possíveis envolvem medicamentos contra ansiedade, analgésicos e até moderadores de apetite. Nesse último caso, a idéia é se inspirar no THC e no sistema endocanabinóide para criar um “antagonista” – uma substância que bloqueie as fechaduras químicas onde essas moléculas se encaixam e, assim, diminua a vontade de comer do paciente.

No futuro, qual é a chance de que fumar maconha seja permitido por razões médicas?
“Há quem defenda simplesmente fumar a maconha com objetivo terapêutico, mas a preferência tem sido pelo uso de comprimidos de THC, que evitam os problemas causados pela inalação da fumaça”, afirma o pesquisador da Unifesp. Mesmo o THC, por si só, não é perfeito: ele tende a ir parar em regiões indesejadas do cérebro, agindo de forma pouca específica e causando efeitos colaterais. Por isso, há também a intenção de criar versões modificadas da molécula para implementar o uso clínico.

SEGUNDA MATÉRIA

“Uma vez eu disse a um jornal norte-americano que a maconha era uma das substâncias mais seguras que existem. Essa frase gerou o maior barulho e eu perdi minha paz por algum tempo. Mas mantenho a afirmação: a maconha é uma das substâncias mais seguras que existem”. Foi com essa convicção que o neurocientista e farmacologista Daniele Piomelli, considerado um dos maiores especialistas do mundo no assunto, defendeu o uso medicinal da polêmica erva.

Piomelli, da Universidade da Califórnia em Irvine, não é nenhum defensor da legalização da maconha. “Isso é uma decisão que cabe à sociedade tomar. Nós, cientistas, só fornecemos os fatos”, diz ele. Tampouco ignora os malefícios da droga. “Fumar maconha, como fumar qualquer cigarro, aumenta o risco de câncer de pulmão, de câncer de boca, entre vários outros. Isso não faz bem e uma pessoa sensata evitaria”, afirma. “Há outro problema: o vício. Alguém que fuma maconha por um certo tempo e em certas quantidades acaba desenvolvendo uma compulsão pela droga. Acaba tendo aquela vontade avassaladora de fumar de novo”, diz ele.

No entanto, o cientista acredita que a droga tem potencial para tratar pacientes de doenças graves, como câncer e Aids. “Seria imoral, antiético e desumano não fornecer esse alívio para pessoas que estão sofrendo, por motivos que vão além da medicina e que a ciência não fundamenta”, afirma. “Como você vai dizer para alguém com câncer terminal que ele não pode fumar maconha para aliviar sua dor?”

Piomelli espera que as pesquisas científicas na área avancem, sem serem atravancadas por questões políticas e sociais. “Chegou a hora de irmos além da maconha”, diz ele. “Quando tivermos um remédio melhor, eficiente, sem efeitos indesejados, que faça todo o bem que a maconha faz sem trazer todo o mal que ela causa, ninguém vai nem mais lembrar que maconha existe.”

Para conhecer mais sobre os usos terapêuticos da erva e sobre os efeitos da maconha no organismo, leia abaixo a íntegra da entrevista que o cientista deu ao G1.

Para saber o que é mito e o que é verdade sobre a droga, clique aqui.

G1 - O que se sabe sobre os efeitos da maconha no cérebro?

Daniele Piomelli - Nós sabemos, e já sabemos há alguns anos, que existem uma série de compostos no nosso próprio cérebro que agem como uma “maconha natural”. Por isso, são chamados de endocanabinóides, a partir do nome científico da maconha, Cannabis sativa. Normalmente, eles regulam coisas como o sono e a alimentação – e praticamente todos os processos do corpo humano. Quando alguém fuma maconha, esses compostos são “superativados”, passam a funcionar acima do normal, bloqueiam as sensações de dor e dão prazer.

G1 - Existem possíveis usos terapêuticos para a maconha?

Piomelli - Bom, quanto às propriedades medicinais, nós sabemos que a maconha é usada como um poderoso alívio para a dor crônica -- e não há nada muito eficiente contra isso até agora.

Pessoas com esclerose múltipla também têm benefícios ao fumar maconha, diversas pesquisas já mostraram isso. Ela também ajuda no combate a diversos outros problemas, como estresse, pressão alta, ansiedade, insônia, perda de apetite, cólicas menstruais e problemas intestinais.

Agora, a maconha deveria ser usada como remédio? Aí, depende. É preciso fumar maconha para obter seus efeitos e isso faz com que a pessoa consuma uma série de compostos químicos tóxicos e cancerígenos. E isso não faz bem.

Há outro problema: o vício. Há alguns anos, acreditávamos que a maconha não viciava. Hoje, sabemos que não é bem assim. A maconha é capaz, sim, de viciar -- ou seja, alguém que fuma maconha por um certo tempo e em certas quantidades, acaba desenvolvendo uma compulsão pela droga. Acaba tendo aquela vontade avassaladora de fumar de novo. O vício existe. É muito mais fraco do que o gerado pela cocaína e pela heroína, e mais fraco que o gerado pela nicotina. Mas existe.

G1 - Os efeitos negativos da maconha, portanto, não compensariam seus benefícios médicos?

Piomelli - Depende do caso. Se estamos falando de uma pessoa com câncer, por exemplo, ou Aids, ou algum outro problema grave de saúde, na hora de somar os prós e os contras, o alívio da dor que a maconha proporciona, compensa.

Mas se estamos falando de pessoas saudáveis, usando maconha para curar dores de cabeça, é uma irresponsabilidade muito grande. Há métodos mais eficazes, que não trazem os efeitos colaterais indesejados.

G1 - Então, na sua opinião, a maconha deveria, ou poderia, ser prescrita por médicos?

Piomelli - Sim. Eu acredito, e essa é minha opinião pessoal, que no caso de pacientes com câncer, por exemplo, seria imoral, antiético e desumano não fornecer esse alívio para pessoas que estão sofrendo, por motivos que vão além da medicina e que a ciência não fundamenta. Como você vai dizer para alguém com câncer terminal que ele não pode fumar maconha para aliviar sua dor?

Agora, se um paciente entrar no meu consultório pedindo para eu prescrever maconha para curar sua dor de cabeça, eu vou perguntar se ele está maluco e mandar ele tomar uma aspirina.

G1 - O senhor disse que é preciso fumar a maconha para obter seus efeitos. Não existe nenhuma forma além do fumo?

Piomelli - Na verdade, existe, mas não é tão eficiente quanto. Existe uma droga, feita a partir do princípio ativo da maconha, o THC, que tem sido usada para fins terapêuticos em diversos países. Existe a possibilidade de se consumir o THC oralmente, mas os resultados demoram mais para aparecer. E quando você está com dor, quer alívio o mais rápido possível.

O consumo oral do THC passa pelo estômago. Mas quando você fuma a maconha, o THC vai direto do pulmão para a corrente sanguínea, e daí para o cérebro. O efeito é muito mais rápido.

Alguns pacientes também declaram que preferem fumar, porque eles podem controlar exatamente o quanto vão consumir. Eles podem dar duas ou três tragadas, por exemplo, e parar quando se sentem melhor. Quando você toma um comprimido, ele vai ter lá seus 10g ou 20g e você não tem escolha. Se não for o suficiente, vai ter que agüentar. Se for demais, não tem como não absorver.

Ultimamente, tem sido testada uma nova forma de se consumir o THC que tem a velocidade do cigarro, mas não faz mal à saúde: o aerosol. Os médicos pegam o composto e o transformam para que ele possa ser aspirado. Dessa maneira, se tem os mesmos benefícios, mas sem os riscos.

G1 - Como o THC funciona?

Piomelli - O THC não é exatamente o melhor remédio do mundo. Ele atua naqueles componentes do cérebro que falamos antes, os endocanabinóides. Os endocanabinóides regulam praticamente todas as funções do corpo humano, do sono à fome. Por isso, eles são encontrados em locais muito diferentes do cérebro.

O que o THC faz? Ele fortalece todos os endocanabinóides. Todos, ao mesmo tempo. O que acontece? A dor passa, todos os efeitos benéficos aparecem, mas a pessoa fica “doidona”. Quando alguém fuma maconha para fins recreativos a intenção é, exatamente, essa: ficar “doidão”. É esse o objetivo. Que não é o objetivo de quem está com dor e toma THC. Essa pessoa não quer ficar alterada, ela só quer que a dor passe.

O que precisamos é de um remédio eficaz e seguro, que tire a dor, que melhore a náusea, que tenha todos os efeitos benéficos da maconha, e que não tenha os seus efeitos colaterais. Que não deixe ninguém drogado.

G1 - Estamos muito longe de um remédio como esse?

Piomelli - Essa é a grande meta de todas as pesquisas científicas que usam a maconha. No momento, o foco está, principalmente, em se encontrar um meio de aumentar o efeito dos endocanabinóides do cérebro naturalmente. Encontrar algo que faça o próprio corpo liberar os efeitos positivos desses compostos, sem que seja necessário fumar nada. É nisso que maioria das pesquisas está trabalhando no momento.

G1 - Voltando um pouco aos efeitos negativos da maconha. Há pesquisas que dizem que maconha mata neurônios. Outras dizem que não. Afinal de contas, mata ou não mata?

Piomelli - Esse é o grande problema, não é? Temos pesquisas de um lado falando uma coisa e daí vêm pesquisas do outro falando exatamente o oposto.

O que eu posso dizer é que conforme as pesquisas avançam está ficando cada vez mais claro para os cientistas que a maconha não tem nenhum efeito tóxico no cérebro, na quantidade em que é normalmente consumida.

Existem pesquisas que mostram que grandes quantidades de maconha em um curto período de tempo vão gerar uma série de estragos. E elas estão certas. Mas isso também é certo para qualquer coisa. Se você tomar uma grande quantidade de aspirina em um intervalo pequeno, também terá muitos problemas.

Uma vez eu disse a um jornal norte-americano que a maconha era uma das substâncias mais seguras que existem. Essa frase gerou o maior barulho e eu perdi minha paz por algum tempo. Mas, mantenho a afirmação: a maconha é uma das substâncias mais seguras que existem.

É impossível você matar alguém com maconha. O máximo que você vai fazer é botar a pessoa para dormir. Nós temos uma gigantesca lista de remédios usados normalmente muito mais perigosos que isso. A maioria desses analgésicos que são prescritos como água por aí são capazes de matar alguém -- em doses não muito maiores do que as consumidas normalmente. E você não mata ninguém com maconha.

G1 - Maconha, então, não faz mal?

Piomelli - Para o cérebro? Não. Para o cérebro de um adulto. Vamos sair por aí permitindo que nossas crianças e adolescentes fumem? Não. O cérebro de um adolescente ainda está em formação. Você diz isso para eles e eles não entendem, mas o fato é que no cérebro de alguém nessa idade ainda falta um monte de coisas. O sistema que é acionado em comportamentos de vício, por exemplo, não está pronto antes da idade adulta. Fumar maconha nessa idade pode fazer um dano enorme. Qual a extensão desse dano? Não sei. As pesquisas ainda não conseguiram definir. Mas, pelo princípio da precaução, adolescentes deveriam passar bem longe disso.

Agora, para um adulto, é outra questão. Por enquanto, não temos evidência de nenhum estrago que seja feito pela maconha no cérebro. Mas fumar maconha, como fumar qualquer cigarro, aumenta o risco de câncer de pulmão, de câncer de boca, entre vários outros. Isso não faz bem e uma pessoa sensata evitaria.

A maconha deveria ser liberada? Isso é uma decisão que cabe à sociedade tomar. Nós, cientistas, só fornecemos os fatos.

G1- Na sua opinião, o que podemos esperar do futuro das pesquisas com maconha?

Piomelli - Eu acho, e defendo isso exaustivamente, que chegou a hora de irmos além da maconha. Se temos o composto e temos como ele age no cérebro, já está na hora de podermos dispensar a maconha. Quando isso acontecer, tudo ficará mais fácil. Quando tivermos um remédio melhor, eficiente, sem efeitos indesejados, que faça todo o bem que a maconha faz sem trazer todo o mal que ela causa, ninguém vai nem mais lembrar que maconha existe.

No passado, o ópio era consumido para curar e aliviar de tudo. Tínhamos milhares de pessoas por aí usando. Hoje, o consumo do ópio caiu bruscamente. Ninguém mais usa. Por quê? Porque avançamos. Porque fomos além do ópio. Desenvolvemos uma série de medicamentos muito melhores, e daí ninguém mais precisava disso. É o que precisa acontecer com a maconha.

Um comentário:

  1. usei maconha de 5ª feira até sabado e vou fazer o teste de thc 5ª feira (sangue e urina) aah alguma possiblidade de aparecer no teste ? espero urgentemente a resposta
    OBG

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